Leitura de autores negros, brincadeiras e jogos afro-brasileiros, filmes com debates e até merenda temática. Essas estratégias procuram garantir uma educação antirracista em algumas escolas brasileiras, tendo em vista que há 20 anos é obrigatório por lei o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas elas.
Depois de constatar que 71% das Secretarias Municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação referente ao ensino de história e cultura afro-brasileira, a pesquisa produzida por Geledés Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana buscou compreender o diferencial e as práticas adotadas por municípios que apontam caminhos inspiradores de cumprimento a leis: Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR).
Em seguida, o portal Lunetas destaca ações “consistentes e perenes” listadas na pesquisa para uma educação antirracista em escolas dessas seis cidades. As iniciativas, em suma, passam por questões de administração pública, orçamento, leis ou decretos locais. A ideia é que escolas de todo o país possam se inspirar e debater com as crianças formas de quebrar, a cada dia, as estruturas racistas – e não apenas durante o Mês da Consciência Negra.
Confira as 9 principais ações desses municípios:
- Aulas com brincadeiras e jogos africanos e afro-brasileiros em várias disciplinas
- Cardápio da merenda preparado com ingredientes ou pratos de influência africana
- Leituras de autores negros, a fim de enfantizar personalidades negras regionais e nacionais
- Produção do “censo da diversidade”, para que a escola reconheça o pertencimento étnico-racial de estudantes e trabalhe temas no bairro ou na cidade
- Atividades artísticas e expositivas para os estudantes explorarem de forma criativa a temática (teatro, dança, música, seminários)
- Formação continuada à toda equipe escolar, para evitar constrangimentos em situações do dia a dia e ter espaço seguro para diálogos
- Exibição de filmes que tratam sobre o tema e debate entre os professores
- Presença de uma “equipe guardiã” da educação antirracista, responsável pelo desenvolvimento e acompanhamento das ações nas escolas
- Priorizar materiais escolares que promovam educação antirracista, como giz de cera com cores de diferentes tons de pele
Desafios para uma educação antirracista
Após 20 anos, o principal impacto do déficit de implementação da Lei 10.639 é o aumento de casos de racismo registrados pelas secretarias de educação, explica Tânia Portella, pesquisadora doutora em Educação e consultora de Geledés. Para ela, fazer a diferença passa por “políticas educacionais que induzam as escolas a executarem a lei”. Também é preciso aproximar as escolas das comunidades e organizações de movimentos negro da região. Isso ajuda a entender o perfil das famílias dos estudantes e do território em que estão inseridos.
Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana, aponta outros desafios para garantir o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas. “Resistência e falta de formação da comunidade escolar, intolerância religiosa, baixo engajamento de professores brancos, ausência de dados qualificados de raça e cor para elaboração de políticas educacionais antirracistas.”
Segundo ela, as escolas não têm equipes responsáveis por essa temática, nem orçamento dedicado à agenda e regulamentação local. O reflexo é, portanto, a “manutenção das estruturas racistas que constituem o país até hoje”. Por isso, defende, “a Lei 10.639 deve ser implementada de forma constante ao longo do ano”.
Por que implementar uma educação antirracista?
De acordo com os dados da pesquisa “Percepções sobre o racismo no Brasil”, do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), de 2023, 64% dos brasileiros entre 16 e 24 anos consideram que o racismo começa na escola.
Combater essa realidade passa por valorizar a contribuição da população negra – “além da culinária, dança e religiosidade”, diz Tânia Portella. “A educação antirracista permite que os estudantes conheçam a população negra além da perspectiva da escravidão. Nesse sentido, isso reflete diretamente no entendimento sobre suas identidades e contribuições sociais. O que inclui, por exemplo, a construção de tecnologias, a evolução na medicina, na literatura e na matemática.”
“Isso muda como os alunos negros se vêem e como são vistos. Já os alunos brancos aprendem que não existe uma cultura hegemônica, em que só a herança europeia é validada”, afirma Portella. Para Beatriz Benedito, conhecer e valorizar as contribuições dos povos africanos e afro-brasileiros na formação do Brasil pode finalmente promover consideração e respeito na comunidade escolar. Além disso, fortalece vínculos de amizade entre crianças negras e não negras.
fonte: Lunetas